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LABIRINTOS DO FASCISMO

Manolo

1.

Em 2015 impus-me a missão de resenhar a segunda edição dos Labirintos do fascismo, de João Bernardo, e publiquei a resenha em um blog obscuro que mantenho para textos pessoais. Anos depois, em 2018, quando o autor lançou a terceira edição revista e aumentada da obra, ele prometendo ser a última, resolvi também eu revisar e aumentar a resenha para celebrar o lançamento do livro e tirar a resenha do limbo, publicando-a no Passa Palavra. Na época, questionei “se de fato há ponto final para o livro de uma vida”, e minha hipótese se mostrou correta: o autor lançou em 2022 nova edição do livro, desta vez pela editora Hedra.


Certamente a contragosto do autor, que soterra o valor desta obra sob toneladas de modéstia desnecessária, este é o livro por meio do qual uma geração de militantes no Brasil tomou conhecimento de parte da história do fascismo.


Digo “a contragosto” porque, nas palavras do autor,


não é meu objectivo proceder a uma história factual do fascismo nem compilar os acontecimentos que preencheram os vários regimes fascistas. Não faltam obras nesse domínio, não vejo razão para lhes acrescentar outra. Pressuponho que o leitor conheça, pelo menos em traços largos, os principais factos a que aqui faço referência e que para ele não sejam epitáfios obscuros os nomes daqueles muitos personagens que entre as duas guerras mundiais se agitaram e tentaram encontrar sentidos numa convulsão social profunda. Será pedir demasiado? (D-7, A-17, JB1-7, JB2-7)[1]


Foi, sim, demasiado.


Se uma geração inteira tomou conhecimento do fascismo a partir dos Labirintos do fascismo é porque, exceto pelos garimpeiros de sebos, a bibliografia acerca do tema era escassa quando sua primeira versão, ainda como tese de doutorado na UNICAMP defendida em agosto de 1998, começou a circular nos meios militantes. Algumas fotocópias da edição Afrontamento (de 2003) circularam, mas o volume da obra tornava impeditiva sua reprodução maciça por este meio. A edição digital, posta a circular em 2015, terá certamente suplantado as duas alternativas anteriores pela facilidade de circulação. A edição da Hedra, por sua vez, a maior de todas até o momento, em breve suplantará todas as anteriores, ainda que – em má decisão editorial, a meu ver – tenha dividido a obra em seis volumes.


É certo que as editoras acadêmicas devem ter em seus catálogos muitas monografias precisas e específicas em torno do tema, embora jamais as tenham sondado a respeito; tal como eu, outros tantos não o fizeram. Afinal, fascismo não cria best-sellers nos dias de hoje.


Entre 1998 e 2003, aos interessados pela literatura acerca do fascismo só havia disponível em língua portuguesa e em edição recente a Introdução ao fascismo de Leandro Konder, de 1997, cuja terceira edição publicada pela Graal em 1991 infelizmente não circulou tanto quanto deveria e merecia. Clássicos como A queda da França[2] e Ascensão e queda do Terceiro Reich,[3] de William L. Shirer, eram banquetes de traças nas prateleiras das bibliotecas, jamais reeditados. A coletânea Revolução e contra-revolução na Alemanha, de Leon Trotsky, era uma raridade publicada nos anos 1960.[4] As origens do fascismo, de Robert Paris, tivera edição em 1976 pela Perspectiva,[5] e só. O enorme Massa e poder, de Elias Canetti, fora publicado em 1983 pela Universidade de Brasília e em 1995 pela Companhia das Letras,[6] mas só quem conhece a obra do autor poderia relacioná-la a uma interpretação do fascismo, pois o título não ajuda ao leitor desavisado. O opúsculo O que todo cidadão precisa saber sobre o fascismo, de José Luiz del Roio, que reproduz quase literalmente a posição da III Internacional sobre o assunto, teve sua primeira edição lançada em 1987,[7] e desde então se tornou raridade. O público brasileiro não-especializado estava, portanto, órfão de uma leitura de conjunto sobre o fascismo.


Entre 2003 e 2015 a situação melhorou. Sobre o fascismo, livreto de August Thalheimer, foi publicada pelo Centro de Estudos Victor Meyer em 2010.[8] A raríssima coletânea de textos de Trotsky, já mencionada, foi reeditada em 2011, assim como a Introdução… de Leandro Konder. Mesmo assim, há severas lacunas editoriais ainda a preencher neste campo no mercado editorial em língua portuguesa: como exemplo, Os últimos dias de Mussolini, de Pierre Milza, só foi traduzido para o português em 2013.[9]


Se é certo que o avanço do chamado “populismo” pelo mundo a partir de 2015 gerou renovado interesse na temática do fascismo e dos muitos autoritarismos, isto não quer dizer que analistas deste fenômeno houvessem inspirado suas pesquisas na história do fascismo dito “clássico”. Dada a anglofilia do mercado editorial brasileiro nas duas últimas décadas, seguiu-se aqui o padrão de publicação de best-sellers estadunidenses ou britânicos comentando fenômenos como a eleição de Donald Trump (e seu governo) e a Brexit (porque não existe “saída” masculina), todos passando reto pela história do fascismo.


Só a incúria editorial com a história do fascismo no Brasil, e o pouco interesse acadêmico gerado por um tema aparentemente “superado”, explicam lacunas editoriais severíssimas. Eis porque, por exemplo, só um dos vinte e sete capítulos de Nacionalismo e cultura, de Rudolf Rocker, foi traduzido para o português em 1956,[10] e nada mais desde então. Das Linguagens totalitárias de Jean-Pierre Faye, obra monumental de 771 páginas, só a introdução foi traduzida em 2009.[11] De Fascismo e grande capital, de Daniel Guérin,[12] sequer a sombra de uma tradução. Vale o mesmo para todas as obras de figuras tão díspares Zeev Sternhell, Giuseppe Bottai, Roger Griffin, Enzo Santarelli, Eugen Weber, Bernard Avishai, Maurice Bardèche, Joseph Billig, Lenni Brenner, Robert Cecil…


Não por acaso, é comum entender-se o fascismo em certos setores que se pretendem de esquerda a partir das reflexões filosóficas de Hannah Arendt, Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari; somente uma profunda e generalizada desinformação sobre a história do fascismo, somado ao prestígio acadêmico de que desfrutam, dá a estes autores e suas respectivas obras tanta circulação e respaldo.


Deste hiato na formação intelectual e militante, só recentemente sanado com a republicação de algumas obras clássicas, resulta um desaparelhamento, uma incapacidade para identificar os germes do fascismo em determinadas práticas ou teorias e, consequentemente, exterminá-los de seu seio. A esquerda brasileira encontrava-se desarmada em 2018 (e mesmo antes) para lidar com os aspectos mais contraditórios de sua constituição; tal como estava em 20218, permanece em 2022, e assim abre seu flanco à reação – pior, a uma reação insidiosa.


Não sendo historiador, nem especialista em marxismo, nem em fascismo, nem no que quer que seja, dei-me em 2015 a liberdade de resenhar os Labirintos do fascismo de João Bernardo, então disponibilizados na internet, numa tentativa de chamar a atenção para a importância e a relevância da obra num mercado editorial e num ambiente acadêmico onde identificava as falhas e lacunas a que me referi. Preferi fazê-lo mediante algumas provocações, pouco dizendo sobre o conteúdo da obra; desta vez, ao revisitar a resenha, acrescentei muitas notas biográficas e bibliográficas para situar quem lê no contexto da vida e obra do autor. Além disso, atendendo a críticas recorrentes, examinei algo mais do conteúdo do livro.


2.

Labirintos do fascismo é a primeira – e grande – síntese de pesquisas de João Bernardo acerca do fascismo, cujos primeiros resultados, ainda parciais, foram expostos em passagens de O inimigo oculto[13], de Capital, sindicatos, gestores[14] e de artigos avulsos publicados na Revista de Economia Política[15] e na Revista de Administração de Empresas.[16]


Pode-se dizer que a crítica histórica ao fascismo atravessa a obra inteira de João Bernardo, pois há um embrionário programa de pesquisa já a indicar um dos caminhos que desembocaria em uma de suas magna opera – a outra sendo o colossal Poder e dinheiro[17] – quando o autor se dedicou a uma crítica das contradições da Revolução Russa em sua primeira obra publicada em nome próprio, Para uma teoria do modo de produção comunista.[18] Esta crítica não foi publicada em sua totalidade; o autor remeteu-nos, então, a um manuscrito inédito intitulado Contra Trotsky, que jamais veio a público, exceto por fragmentos inseridos nos Labirintos do fascismo. E é o próprio autor quem diz estar este livro “na continuidade de preocupações muito antigas” (D-7, A-17, JB1-7, JB2-7).


Trata-se, na verdade, de preocupações de uma vida inteira, registrada num livro que durou uma vida inteira para ser escrito. Necessário, portanto, alguma referência biográfica sobre o autor. [19]


João Bernardo Maia Viegas Soares nasceu em 1946 em Porto (Portugal), já sob o fascismo salazarista, numa família onde seu pai, o advogado Álvaro Soares, tinha certa proximidade com figuras do alto escalão governamental, que lhe frequentavam a casa. Já enquanto estudante no liceu Dom João de Castro, em Lisboa, João Bernardo participou da Comissão Pró-Associação dos Liceus (CPA-L), fundada em 1958. Por insubordinação, João Bernardo foi transferido para o Liceu de Oeiras, onde cursou o sexto e sétimo anos. Ingressou no Partido Comunista Português (PCP) em 1964, atuando especialmente no movimento estudantil – então sob severa vigilância da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), a polícia secreta do salazarismo. Apesar de recém-ingresso no PCP, já declarava abertamente em sua célula simpatias pelo maoísmo e admirava as análises da realidade portuguesa e mundial publicadas pela Frente de Ação Popular (FAP), de autoria de Francisco Martins Rodrigues – embora considerasse que a FAP não tinha a mesma infraestrutura ou quadros que o PCP, o que o levou a permanecer no partido.


Muito ativo no movimento estudantil português, foi alvo da mais dura punição do regime salazarista a um estudante. Em 1º de abril de 1965, João Bernardo estudava no primeiro ano de História da Universidade de Lisboa, e participava de manifestação das Comissões de Apoio aos Estudantes Presos na cantina da universidade. Irrompeu no recinto, então, o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros e então reitor da universidade, Paulo Arsénio Veríssimo da Cunha; como de hábito, para desbaratar mobilizações e desmoralizar o movimento estudantil, imiscuiu-se aos gritos entre os estudantes, acusando de “comunistas” os dirigentes da manifestação. Desta vez, entretanto, João Bernardo redarguiu também aos gritos, falando em público sobre a participação do reitor nas guerras coloniais – situação inédita porque contrariava orientação explícita do PCP aos militantes do movimento estudantil para não tocarem no assunto em público. O “magnífico” enfureceu-se e começou a insultá-lo. João Bernardo respondeu-lhe que fosse então ele, reitor, lutar na guerra, porque era ele, reitor, quem tinha interesses econômicos na África e emprestara a africanos dinheiro a juros usuários. Tocado em sua ferida mais profunda, Paulo Cunha perdeu a cabeça e chamou João Bernardo de “merda”, ouvindo de volta que “o senhor é que é merda oca”. Já destemperado, o “magnífico” partiu para a porrada contra João Bernardo, que tentava se defender contra ele e contra dois funcionários da universidade que, aos murros e pontapés, buscavam impedi-lo de se aproximar do reitor para dar-lhe uns bons sopapos. O clima no ambiente, já tenso, transformou-se em confusão e pancadaria generalizada; a polícia de choque, que já havia sido chamada para dispersar a manifestação, prendeu cerca de duzentos estudantes, incluindo João Bernardo, acusado de espancar não o reitor, mas seus dois “guarda-costas”.


João Bernardo foi libertado no dia seguinte, mas a manifestação do 1º de abril de 1965 resultou num processo administrativo, que tramitou no Tribunal da Relação de Lisboa. Num plano extremamente arriscado, João Bernardo e Nuno Brederode dos Santos, outro estudante igualmente preso na manifestação da cantina, resolveram dar sumiço nos autos do processo administrativo. Aproveitando ainda estarem em liberdade, foram ao escritório de Nuno Rodrigues dos Santos, opositor moderado do salazarismo e pai de Brederode, e descobriram as inúmeras consequências do desaparecimento dos autos. Na companhia de uma colega de ambos, João Bernardo retornou ao Tribunal da Relação. Apanhando os autos do processo administrativo, esconderam-no por baixo do sobretudo da colega, que se fingiu de grávida enquanto saíam ambos do tribunal de braços dados, como “namorados”, até o carro em que Brederode os aguardava para a fuga. Já longe, num imóvel seguro e fora do alcance da polícia, queimaram os autos do processo administrativo numa lareira, pondo fim a todas as provas coletadas sobre a manifestação da cantina.


A polícia estava atônita. Nunca ninguém roubara autos processuais de dentro de um tribunal. Os ladrões não deixaram rastro. Seria o crime perfeito – não fosse, numa reviravolta inacreditável, um alcaguete enciumado entregar o esquema, desencadeando prisões em série e delações obtidas sob coação e manipulação, que levaram a polícia até os responsáveis. O ineditismo do furto dos autos do processo deixou a PIDE e a Polícia Judiciária sem saber o que fazer, em meio a um imbróglio de competências: crime político ou crime comum? Quem prende? Quem processa, julga e condena? No fim das contas, João Bernardo foi preso dias depois, julgado por crime comum pelo roubo do processo (a peripécia pesou mais na condenação que o episódio com o reitor e seus capangas), condenado a alguns anos de prisão (com pena suspensa) e expulso por oito anos de todas as universidades portuguesas.


Depois da condenação, João Bernardo seguiu militando. Em 1967 participou, com João Crisóstomo, Alexandre Alhinho de Oliveira e Manuel Castilho, da fundação do Secretariado Coordenador da Informação e Propaganda (SCIP), estrutura de cúpula paralegal no movimento estudantil lisboeta encarregada de coordenar a agitprop em todas as faculdades e institutos. Nesta altura, já havia saído do PCP e criado, com Alexandre Alhinho de Oliveira e Alexandre Gaspar, o Comitê de Propaganda Revolucionária (CPR), pequena organização que mantinha relações tênues com o Comitê Marxista-Leninista Português (CMLP), de orientação maoísta, sob influência do programa elaborado por Francisco Martins Rodrigues.


No final de 1967, em seguida às torrenciais chuvas de novembro que caíram sobre Lisboa e alagaram os bairros proletários da cidade, o movimento estudantil mobilizou-se para acolher os desabrigados e angariar doações entre a população lisboeta – somente para serem acusados de aproveitar a oportunidade para “fazer propaganda comunista”. João Bernardo participou ativamente da campanha de solidariedade, chegando a ser ferido por pregos ferrugentos ao afundar-se na lama. Pouco tempo depois, entrou na clandestinidade. Em seguida à prisão de Alexandre Alhinho de Oliveira, João Bernardo emigrou rumo a Paris, onde permaneceu de 1968 a 1974.


Em 1969, João Bernardo entrou em divergência com a direção do CMLP, nomeadamente com Heduíno Gomes (“Eduíno Vilar”), e redigiu as “Cartas de Tiago”,[20] documentos nos quais defendia os seus pontos de vista. As “Cartas” foram a base programática do grupo que fundou em 1970, os Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas (CCRm-l), responsáveis pela publicação do periódico Viva o Comunismo! e que conseguiu alguma implantação no interior do país a partir de 1970, nomeadamente na Universidade Técnica de Lisboa (Econômicas, Medicina, Letras e Instituto Comercial), em algumas fábricas da região de Lisboa e na Companhia Carris de Ferro de Lisboa, onde conseguiram organizar greve em 1973.


Nas páginas de Viva o Comunismo! João Bernardo fez publicar entre 1970 e 1972 (sem sua assinatura, por força da clandestinidade) a série de artigos intitulada “À esquerda de Cunhal todos os gatos são pardos”,[21] longo exercício de crítica às muitas correntes do maoísmo português. Neste mesmo período, apesar da penúria do exílio, frequentava bibliotecas parisienses, estudava, pesquisava; data de então o artigo “Metodologia geográfica e crítica da geografia ideológica”,[22] onde, além de demonstrar familiaridade com a literatura especializada da Geografia, deixava aparecer a enorme influência que recebia do marxismo estruturalista francês (especialmente de Louis Althusser e Michel Pêcheux). Do mesmo período datam as pesquisas que resultariam num manuscrito relativamente longo e ainda sem nome, que ainda em 1972 apresentou a Rita Delgado, companheira de CCRm-l também no exílio; neste longo manuscrito, expôs de modo extenso e articulado uma crítica profunda ao movimento operário como um todo, e não apenas ao maoísmo.


Entre 1972 e 1973 a direção dos CCRm-l, frente à derrota da Revolução Cultural chinesa e da aproximação dos governos da China e dos Estados Unidos, entrou em divergência sobre temas como a relação entre bases e cúpula, a relação dos intelectuais com os trabalhadores, a burocracia e a tecnocracia, as distinções entre “militante” e “simpatizante”, e, por fim, sobre a evolução do comunismo chinês. Formaram-se duas facções. Uma, capitaneada por António Rocha, Paula Fonseca e Vieira Lopes, defendia recrutamentos mais amplos, a autoridade da direção e o papel de vanguarda dos intelectuais. Tratava-se de estruturar uma organização comunista clandestina segundo os moldes bolcheviques tradicionais, sob influência, evidentemente, das fórmulas maoístas. A outra, onde despontavam João Bernardo e José Mariano Gago, tinha reservas quanto ao alargamento da militância, privilegiava uma noção coordenadora da direção (ou seja, sem papel dirigente ou impositivo) e criticava abertamente a política do Partido Comunista Chinês. A facção Rocha-Fonseca-Lopes, entretanto, angariou a maioria dos militantes, agudizando o conflito e levando à ruptura. Enquanto isso a PIDE, que andava à espreita há algum tempo, prendeu António Rocha e Paula Fonseca em dezembro de 1973, agudizando a crise dos CCRm-l.


Entre julho e setembro de 1973 João Bernardo finalizou o manuscrito onde procedeu a uma crítica de fundo ao movimento operário. Escrito numa linguagem muito metafórica para driblar a censura, em sua versão final verificava-se uma aproximação ao conselhismo pela via de uma leitura crítica do leninismo; intitulado “Nova Institucional” em homenagem à Nova Econômica de Yevgueny Preobrazhensky que João Bernardo à época lera em tradução francesa recém-publicada, este manuscrito foi entregue desde o exílio à editora Afrontamento, para publicação. Em janeiro de 1974, João Bernardo e José Mariano Gago fizeram circular um documento escrito pelos dois, intitulado “Que fazer? – hoje”, outro marco em sua aproximação ao conselhismo, onde tornou-se enfim pública sua ruptura definitiva (pela esquerda) com o maoísmo e o leninismo. Não demorou, como consequência previsível, a ruptura definitiva de João Bernardo com os CCRm-l, em abril de 1974; entre fevereiro e março, entretanto, os CCRm-l já não existiam na prática, e sua militância já dava por extinta a organização, destruída pela repressão e pelas divergências internas.[23]


Com a derrubada do regime salazarista pelo golpe militar de 25 de abril de 1974, João Bernardo juntou-se a José Mariano Gago e Rita Delgado, também ex-militantes dos CCRm-l, puderam enfim retornar a Portugal. Tendo como base inicial o “Que fazer? – hoje”, uniram-se para publicar um jornal, a que nomearam Combate.[24] A primeira edição saiu em 21 de junho de 1974, com um manifesto onde se delineia um programa completamente diferente do que se via na extrema-esquerda portuguesa: críticas acerbas ao golpe militar de 25 de abril; defesa incondicional da ação política autônoma do proletariado; apoio à solidariedade ativa e militante entre os explorados em Portugal e na África; radicação das lutas nas unidades de produção (não nos delegados sindicais); defesa da participação crítica nas eleições para delegados sindicais, porque de algum modo ligados às unidades de produção; luta por salário mínimo adequado às necessidades, pela diminuição do tempo de trabalho e pela melhoria nas condições de trabalho e habitação; radicalização da luta contra gestores fascistas, escalando-as até transformarem-se em luta pelo controle e gestão de todo processo econômico; unidade das lutas dos trabalhadores da cidade e do campo; apoio às lutas dos soldados e marinheiros para integrá-las às lutas de trabalhadores e levar à dissolução das forças armadas; internacionalismo proletário.[25]


Em outros programas políticos, meras palavras de ordem; no Combate, tratou-se de abrir radicalmente o jornal à experiência de luta dos trabalhadores que já se dedicavam a ocupar empresas, tomar terras, pôr os patrões para correr. Nas palavras dos remanescentes:


Os primeiros dez números do Combate tiveram uma periodicidade semanal e beneficiaram de uma distribuição muito ampla. Do nº 11 (22 de Novembro de 1974) até ao nº 47 (22 de Outubro de 1976) a periodicidade foi praticamente quinzenal, com algumas lacunas. O contragolpe de Novembro de 1975, destinado a estabelecer uma democracia representativa assente numa constituição, deu lugar a uma orientação política que dificultou as ocupações, e os últimos quatro números, desde o nº 48 (Fevereiro de 1977) até ao nº 51 (Fevereiro de 1978), foram cada vez mais difíceis de organizar e por isso saíram com uma periodicidade irregular.


O objectivo era produzir um jornal não-doutrinário que relatasse as ocupações e as experiências de autogestão. Equipas de colaboradores deslocavam-se a todo o país para entrevistar membros das Comissões de Trabalhadores e das Comissões de Moradores, frequentemente entrevistando também trabalhadores de base, e as declarações eram registadas e publicadas na íntegra. Embora isto levasse a repetições por vezes cansativas, tinha a vantagem de não podermos ser acusados de ter cortado ou excluído afirmações com que não estávamos de acordo, ainda que essas afirmações fossem discutidas. Nunca recebemos queixas de Comissões de Trabalhadores que achassem que as suas declarações tivessem sido deturpadas, e todos sentiam que aquilo que haviam dito fora reproduzido fielmente, mesmo se fosse contrário à orientação do jornal. Além disso, muitas das empresas ocupadas publicavam naquela época os seus próprios boletins ou panfletos, onde se discutiam as questões candentes no interior da empresa, e muitos destes boletins foram reproduzidos na íntegra e não apenas sob a forma de citações parciais, como era feito por outros jornais, de acordo com as suas ideologias. Os colaboradores do Combate esperavam que, através de todos estes relatos, os trabalhadores que se encontravam em situações similares aprendessem com os seus companheiros e pudessem contribuir para o avanço do movimento e para a formação de frentes comuns, ou pelo menos que se estimulasse o relacionamento entre os vários grupos de trabalhadores. Com este objectivo o Combate organizou também mesas-redondas entre trabalhadores de diversas empresas em luta. Estas discussões eram gravadas, transcritas e reproduzidas na íntegra.


O objectivo do Combate era divulgar as lutas dos trabalhadores e as suas formas de organização, tanto na indústria como no comércio e na agricultura, no norte como no sul do país, bem como as lutas nos bairros. Além disso, o Combate dava relevo a todas as lutas contra a disciplina militar, especialmente importantes num contexto em que as forças armadas estavam directamente envolvidas no governo e beneficiavam de um enorme prestígio por terem derrubado o regime fascista. O Combate também dava relevo às lutas dos trabalhadores noutros países e praticamente todos os números continham notícias acerca destas lutas.


[…] Até Novembro de 1975, apesar dos obstáculos erguidos ao desenvolvimento das lutas, os trabalhadores tiveram a força suficiente para manter abertas as portas das empresas e para permitir que um vasto movimento político minasse a disciplina patronal. Foi nestas circunstâncias que o Combate nasceu e pôde viver. A queda do movimento operário levou também à queda do jornal, no meio das recriminações internas que são comuns em tais circunstâncias e com alguma (não demasiada) amargura. Com o fim do Combate, cada um dos colaboradores seguiu caminhos diferentes. O importante aqui não é deter-nos neste fracasso colectivo (um fracasso colectivo que talvez fosse previsível, dada a fraqueza da economia portuguesa e as pressões do capitalismo mundial), mas deter-nos nos aspectos positivos de uma experiência muito rica, que aqui expomos para que outros possam aprender com ela. O importante aqui é o movimento operário e não os egos feridos de alguns poucos entre os colaboradores do Combate. Para todos os colaboradores do jornal, tratou-se de uma das primeiras e mais ricas experiências de história oral (se bem que restrita à palavra escrita), além de ser algo em que participaram activamente.[26]


Enquanto participava do grupo editorial do Combate, João Bernardo começou a publicar obras em nome próprio. Abolida a censura, a “Nova Institucional” precisou de ser reescrita, trabalho encerrado em 18 de agosto de 1974; o livro, já com o nome Para uma teoria do modo de produção comunista, veio a público em fevereiro de 1975. Certos aspectos desta obra foram aprofundados em Marx Crítico de Marx, de 1977.[27] Em 1979, saía O inimigo oculto, primeiro panfleto de uma longa militância de crítica à ecologia.


O fim da experiência autogestionária na revolução portuguesa, e também o fim do Combate, levaram João Bernardo a seguir com suas pesquisas enquanto intelectual autodidata em Portugal, França, Inglaterra, Itália e Estados Unidos. Decidiu-se a vir para o Brasil em 1984, estimulado pelo professor Maurício Tragtenberg. Continuou pesquisando e publicando, sempre ligado a movimentos de lutas de trabalhadores. Em todo este tempo, o fascismo foi objeto de sua atenção, tanto quanto a superação do capitalismo pela atuação de um movimento revolucionário de trabalhadores. Trata-se, mesmo, de “preocupações muito antigas”.


3.

Logo de início, afirmei serem os Labirintos do fascismo “o livro de uma vida”. É verdade. Cada obra de João Bernardo responde às questões que lhe são próprias, mas percorre-as, como fio condutor, o fato de João Bernardo ser militante revolucionário anticapitalista. Este é o aspecto determinante de toda sua obra escrita, sem qualquer exceção. Suas inquietações acerca das vicissitudes dos conflitos sociais são as inquietações da geração que viveu fatos históricos como o Maio de 1968 (na França e não só), a Revolução Portuguesa (1974-1978) e outros tantos. Vistas as coisas por este prisma, Labirintos do fascismo forma com a restante obra do autor um interessantíssimo conjunto.


Em Poder e dinheiro, João Bernardo expôs uma pesquisa de mais de vinte anos sobre o regime senhorial na Europa. À inquestionável monumentalidade desta obra, que abarca dez séculos de história em três volumes com cerca de novecentas páginas cada, soma-se um outro fator: nela, é possível entender o “antes” do capitalismo, os fatores que levaram à degenerescência do regime senhorial e, por consequência, os fatores determinantes do surgimento do capitalismo. Não por acaso, no último capítulo do livro III desta obra, João Bernardo lida com as encruzilhadas dos movimentos heréticos, justamente quando eles se mesclaram com as insatisfações econômicas do campesinato numa espiral ascendente e apresentaram, na prática, a negação do regime senhorial assente num comunitarismo agrário. Neste mesmo capítulo se vê a circulação internacional da aristocracia senhorial, contra um campesinato cujo comunitarismo enraizava-o num localismo. Vê-se, também, a entrada da arraia-miúda das cidades neste movimento, numa fusão do comunitarismo agrário com um igualitarismo político e um nivelamento das fortunas por elas desejado e, algumas vezes, implementado. Por último, vê-se como os taboritas majoritários procederam ao massacre dos irmãos do Livre Espírito, sua ala mais radical, e como isto abriu espaço para a completa derrota dos heréticos e de seu movimento.


Em A sociedade burguesa de um lado e do outro do espelho e Os sentidos das palavras, os dois volumes de sua igualmente monumental exegese de La comédie humaine de Balzac,[28] João Bernardo dedica-se a relacionar a obra balzaquiana à sociedade burguesa da França entre a Revolução e 1848. Usa, assim, a obra de Balzac como mote para chegar à história da sociedade francesa e suas contradições. Veja-se, por exemplo, a análise do atraso na expansão da rede ferroviária francesa, comparada com as redes inglesa e estadunidense; a extensa caracterização do maquinismo na sociedade e nos corpos humanos feita por Balzac, contraposta à baixa mecanização da economia francesa como demonstração do caráter prefigurativo da ideologia frente a tendências já existentes na sociedade, ainda que em gérmen; o tratamento da justaposição entre deus e a Bolsa de Valores; a passagem dos “operários” aos “proletários”, e o enraizamento da mudança vocabular na passagem da classe em si a uma classe para si… Ora, se é na França que foram vividas as grandes revoluções do século XIX, da Primavera dos Povos à Comuna de Paris, não me parece que a escolha deste objeto de estudo tenha sido pautada somente pelo gosto estético, admiração pessoal ou algo que o valha.


Na Economia dos conflitos sociais,[29] João Bernardo engenha um modelo interpretativo dos conflitos sociais que, se deve muito a Marx, é igualmente resultante de uma crítica profunda ao socialista alemão, levada a cabo nos três volumes de Marx crítico de Marx. Este modelo, em apertadíssimo resumo, tido pelo autor como “remake do Para uma teoria do modo de produção comunista” sem o “espartilho althusseriano” e a “proliferação de classificações e nomenclaturas que se arriscava a transformar os estudos sociais numa espécie de botânica”,[30] resulta da “repetida aplicação dos modelos propostos em Para uma Teoria... a experiências práticas mais variadas e a novos dados empíricos”.[31] Parte das lutas sociais entre trabalhadores e as classes capitalistas (burgueses e gestores), onde radica o motor do desenvolvimento econômico. Nos resultados destas lutas encontram-se o fundamento tanto da renovada submissão dos trabalhadores aos modelos de exploração da mais-valia – e portanto de um desenvolvimento tecnológico e social das relações de produção capitalistas – quanto de relações sociais novas, instituintes do comunismo como fruto da reiterada tentativa dos trabalhadores de superar o capitalismo por meio do igualitarismo e da solidariedade.


Nestas obras, vê-se a aplicação, com maior ou menor rigor em cada caso, de um modelo interpretativo descrito em forma sumaríssima, quase aforística, na Dialéctica da prática e da ideologia.[32] Aí, a epígrafe do arquiteto e artista plástico britânico Victor Pasmore, pioneiro da arte abstrata e geométrica na Grã-Bretanha, anuncia o more geometrico da obra, onde, sob densidade conceitual espinozesca,[33] encontram-se ocultas e entremeadas as influências maiores do autor: vi nele ecos de Louis Althusser, Émile Benveniste, Mao Tsé-Tung, Gyorgy Lukács, Jean-Pierre Faye e Elias Canetti, e quanto mais o leio mais ecos encontro. Não caberia aqui descrever ou resumir o modelo, tão espesso e intrincado que seria quase impossível extrair dele qualquer de seus conceitos sem ter de explicar toda a malha conceitual restante; basta dizer que da extrema rigidez conceitual do modelo decorre, contraditoriamente, um instrumental extremamente simples, plástico e flexível para análise de conflitos sociais.


O resto da obra de João Bernardo é composto por escritos circunstanciais, anunciadores de aspectos parcelares das pesquisas que resultaram em suas obras principais, análise conjuntural e episódica de temas polêmicos, ou anotações de cursos e palestras dados pelo autor com base nas pesquisas que realiza. Isto sem contar os escritos que nunca vieram a público, as notas de pesquisa, a riquíssima correspondência e os artigos publicados em sites na internet, como o Mudar de Vida (https://www.jornalmudardevida.net/), entre 2007 e 2008, e o Passa Palavra (http://passapalavra.info/), de 2009 até hoje.


Os Labirintos do fascismo dialogam, em método ou conteúdo, com tudo isso.


4.

Talvez não uma história do fascismo propriamente dita, porque muito fragmentária ao longo da obra, embora o livro também possa servir como uma primeira abordagem ao fascismo enquanto fenômeno global.


Trata-se, principalmente, de uma crítica histórica ao fascismo.


Se, no capítulo da Economia dos conflitos sociais que trata da “economia dos processos revolucionários”, João Bernardo busca entender por quais meios os trabalhadores podem, com suas lutas, suprassumir o capitalismo num sentido comunista, os Labirintos do fascismo representam uma tentativa de o contrário: entender outras virtualidades contidas nas lutas anticapitalistas, entender o que acontece quando os trabalhadores são derrotados e suas demandas recuperadas e assimiladas pelos capitalistas para aprofundar sua exploração.


É a tentativa, por parte de João Bernardo, de expor os meandros de uma profunda derrota estratégica dos trabalhadores, e no que ela ainda pode resultar.


Portanto, um alerta: quem busca iniciar-se no estudo do fascismo tendo os Labirintos... como ponto de partida poderá se perder.


Neste aspecto, apesar de escrito em linguagem simples e direta como a restante obra do autor, o livro não é nem um pouco didático. Pressupõe que o leitor tenha algum conhecimento sobre a história do fascismo, ou, no mínimo, alguma noção cronologicamente organizada sobre os eventos históricos mais relevantes da primeira metade do século XX: a Primeira Guerra Mundial, o ciclo de revoluções em torno da Revolução Russa, a crise de 1929, a própria ascensão dos fascismos, e a Segunda Guerra Mundial.


Cabe fazer uma espécie de topografia dos Labirintos..., com base na terceira versão (2018), a maior antes da edição Hedra. Advertência aos leitores: a topografia de um livro com 1.481 páginas em tamanho A4 é, necessariamente, extensa e desafiante. Não pode e não deve ser tomada como um guia absoluto, mas como registro de uma experiência de leitura, a ser comparada com outras.


Não é percurso fácil. Os temas são áridos, ainda mais porque o texto, apesar de tecido de forma simples e lúcida, dá voltas e voltas em torno de certos argumentos, sem às vezes apresentar qualquer conclusão. Tampouco parece ser esta a intenção do autor: “As descrições ocupar-me-ão apenas enquanto forma de interpretação. Nem se trata de descrições, mas de percursos pelos factos, escolhendo caminhos mais sinuosos do que directos, como quem deambula pelas ruas para pensar enquanto anda.” (D-x, A-17, JB1-7, JB2-7)


Para não frustrar o leitor pouco conhecedor da história do fascismo, mas interessado em conhecer os Labirintos, recomenda-se que mantenha próximo, como um fio de Ariadne, algum dos livros introdutórios já citados, em especial o Introdução ao fascismo de Leandro Konder. (Konder, aliás, esteve na banca doutoral que avaliou a primeira versão dos Labirintos quando ainda era uma tese doutoral com quatrocentas e poucas páginas.)


5.

Além de um curto prefácio (“O labirinto”), o livro está dividido em seis grandes partes, de tamanhos variados.


Na parte 1 (“A teia dos fascismos”), João Bernardo dedica-se, antes de mais nada, a definir o que entende por fascismo (capítulo 1), usando para isso a síntese “revolta na ordem”: confluência entre certas vertentes radicais da direita e da esquerda para renovar a ordem social por meios revolucionários, emerge em seguida à desagregação de um movimento operário derrotado pelos capitalistas em lutas que pretendiam transformar a sociedade num sentido comunista.


Nos capítulos 2 e 3, fiel a um método de exposição empregue também em Poder e dinheiro para estudar a origem do dinheiro e do Estado em meio aos conflitos sociais da Idade Média europeia, João Bernardo confronta as definições mais conhecidas de “fascismo” mediante uma proliferação de casos, fatos, eventos e exemplos, percorrendo vasta gama de experiências e encontrando pontos tangenciais entre os regimes políticos vistos na Itália, Alemanha, Portugal, Espanha, Japão, Romênia, Áustria e França entre os anos 1920 e 1940. Dissipa, deste modo, certas polêmicas historiográficas, e rejeita a construção de tipos ideais weberianos, optando por encontrar, em meio aos fatos que expõe, as múltiplas determinações com que sintetiza o fascismo tanto como um movimento político e social quanto como um regime de poder, estruturado em torno de dois eixos: um, radical, era integrado pelos partidos, milícias e sindicatos fascistas; outro, conservador, era integrado pelas forças armadas e pelas igrejas católica e protestante.


As variantes do fascismo expostas no capítulo 3 servem para estabelecer, no capítulo 4, as condições históricas dos fascismos: demonstrando a diversidade dos casos, evidenciou como o fascismo foi impulsionado principalmente pelo lumpenproletariat, pelos declassés e por trabalhadores de colarinho branco em busca de evitar a proletarização nas conjunturas de crise econômica dos anos 1920 e 1930; a partir desta base social, atravessou todas as camadas das sociedades onde emergiu, com suas promessas de restauração da “ordem”, ordem que talvez sequer houvesse existido, mas que exprimia o desejo de frear o processo de proletarização colocando a economia de ponta-cabeça. É uma “solução heroica”, é o “partido da nação em cólera” (Maurice Bardèche), surgido apenas sob condições específicas onde os integrantes de seu eixo radical articularam-se com aqueles de seu eixo conservador para tentar superar uma conjuntura de bloqueio econômico logo em seguida a uma vaga revolucionária internacional, que João Bernardo descobre escovando a contrapelo a história dos motins militares durante a Primeira Guerra Mundial e ligando-os a greves e ações militantes no fronte doméstico; por esta perspectiva,


o que sucedeu de 1916 até 1921, ou até 1923 se fundarmos a cronologia nos acontecimentos da Alemanha, foi um processo revolucionário único, à escala europeia e com repercussões nos Estados Unidos e no Canadá. A insurreição bolchevista foi um mero episódio, que se distinguiu por um detalhe — ter vencido. Mas o declínio do movimento internacionalista e a evolução posterior das lutas sociais converteram numa profunda derrota aquela vitória inicial dos trabalhadores russos. […] E assim, […] não foi a primeira guerra mundial que deu aos fascistas a possibilidade de inaugurarem um movimento de massas. Tal como, dentro de cada país, sempre que deparou com uma situação revolucionária o fascismo só adquiriu força significativa depois de o movimento operário estar minado por dentro, também no âmbito mundial ele só se expandiu com o esmorecimento da ampla vaga insurreccional que de um lado ao outro da Europa convertera a guerra numa revolução. Apenas então os fascistas puderam transpor os princípios militares para a sociedade civil. (JB2-251)


Tal belicismo se materializava numa vocação expansionista, irredentista e imperialista no plano externo, que João Bernardo considera indissociável do fascismo, e uma “trincheirocracia” no plano interno, com que setores radicalizados de ex-militares dos países derrotados na Primeira Guerra Mundial, e também daqueles dos vencedores frustrados (como a Itália), encarnassem um ideal elitista e guerreiro voltado contra inimigos internos.


No capítulo 5 (“Perspectivas de crítica ao fascismo”), João Bernardo evidencia como os defensores das democracias liberais, ao historiar o fascismo, tentavam circunscrevê-lo nos marcos de uma “exceção à regra” (Hannah Arendt inclusa), em especial por meio de uma suposta distinção entre “autoritarismo” e “totalitarismo” – surgida aliás nas polêmicas entre teóricos dos eixos radical (“totalitário”) e conservador (“autoritário”) do fascismo, cada qual atribuindo à outra parte características negativas. Não conseguiram evitar, com o excepcionalismo, que um trabalho historiográfico mais penetrante descobrisse não apenas traços estruturantes compartilhados entre as ditas democracias liberais e os fascismos, como também a admiração de certos “democratas” pelo fascismo e os estímulos das democracias liberais ao fascismo como forma de contenção do comunismo.


Por outro lado, além de se dedicar a desvelar os equívocos da historiografia liberal sobre o fascismo, João Bernardo afirma que “a crítica do fascismo requer uma crítica do capitalismo e uma autocrítica do movimento operário” (JB2-258), pois – primeiro choque para leitores desavisados – “são raros os historiadores situados na esquerda que chamem a atenção para a partilha de quadros ideológicos e muito menos de quadros organizacionais por amplas vertentes do fascismo e por sectores significativos do movimento revolucionário, bem como para a circulação de pessoas entre os dois campos opostos, e que procurem nesta funesta inter-relação o segredo de tantos e repetidos fracassos da esquerda” (D-47, A-183-184, JB1-258-259, JB2-258-259). Relembrando George Orwell, e inspirando-se livremente em Jean-Pierre Faye (que não é citado diretamente neste caso, mas cujo método transparece na obra inteira), João Bernardo afirma:


Orwell foi muito perspicaz, num dos seus ensaios, ao observar a surpreendente variedade das figuras de renome que apoiaram o fascismo, vindas de todos os quadrantes da sociedade e representativas das mais diversas correntes políticas, comportamentos pessoais e atitudes estéticas. Em vez de se localizarem numa área restrita, as raízes do fascismo projectavam-se, pelo contrário, em todas as direcções. Por isso, qualquer estudo do fascismo que não seja ao mesmo tempo uma crítica do capitalismo liberal e uma autocrítica do movimento anticapitalista fica condenada a falhar nas questões fundamentais. (JB2-259)


Talvez por isso tenha dito, muitas páginas antes:


Talvez as páginas deste livro pareçam estranhas [a quem as ler]. Talvez não seja este o fascismo que as pessoas julgam conhecer e [no espelho da minha visão] é muito possível que as outras forças políticas surjam de maneira igualmente inusitada. Mas não escrevo para conforto do leitor, nem meu. É claro que se pusermos de lado tudo o que é incómodo podemos dormir descansados e apresentar como impolutas as paisagens da nossa predilecção. Mas quando se somam os contra-sensos, os paradoxos, os becos sem saída, chega-se a uma altura em que é impossível continuar a usar modelos explicativos que deixam o fundamental por explicar. (D-8, A-19, JB1-9, JB2-9)


Mais preocupado com a transformação de instituições que com a fidelidade a pessoas ou ideias, João Bernardo evidencia a circulação de temas e práticas entre, de um lado, um movimento revolucionário dos trabalhadores que perdia o ímpeto nos anos 1920, e de outro os setores mais radicais da direita. Uma de suas hipóteses – ou seria uma das muitas determinações com as quais vai cercando e delineando, pacientemente, os fenômenos associados ao fascismo? – é de que o fascismo “resultou de um eco dos temas socialistas no interior da direita e de um eco dos temas da direita no interior do socialismo” (D-x, A-x, JB1-52, JB2-52). Resgatando as contradições da análise do fascismo pela III Internacional (especialmente por Dimitrov), pela social-democracia e principalmente por Leon Trotsky, João Bernardo demonstrou como a vacuidade da definição marxista de “pequena-burguesia” servia-lhes para fazer variações em torno do tema de o fascismo ser uma “forma específica de mobilização e organização da pequena burguesia consoante os interesses sociais do capital financeiro”, relacionando os melindres teóricos dos marxistas contemporâneos do fascismo, de um lado, com suas dificuldades em caracterizar adequadamente o regime soviético sem aproximar a tecnoburocracia soviética da própria “pequena-burguesia” que diziam ser a base social do fascismo, e de outro com as dificuldades do marxismo em lidar com o nacionalismo e o racismo, os dois elementos empregues pelos fascistas para dissolver o caráter de classe de seu movimento e mobilizar trabalhadores com base em mitos nacionalistas e racistas.


6.

Assim estabelecido o campo do fascismo, João Bernardo prossegue na parte 2 (“Uma política sem economia?”) questionando o financiamento dos partidos fascistas (capítulo 1, “O financiamento dos partidos fascistas”) para evidenciar como os movimentos e regimes fascistas, ao contrário da tese que afirma terem sido financiados principalmente por capitalistas da indústria pesada, foram fartamente financiados por financistas e, num plano local, por comerciantes e proprietários agrícolas, além de contarem também com apoio (paradoxal, para movimentos tão violentamente nacionalistas) de certos governos estrangeiros. Toma, em seguida, os casos italiano, alemão, espanhol e francês para evidenciar como o financiamento nunca significou controle ou submissão aos interesses dos financiadores, infirmando, deste modo, a tese do fascismo como movimento de uma “pequena-burguesia a serviço da grande indústria”.


No capítulo seguinte (“Elites e classes sociais”), João Bernardo vale-se de um curto estudo de Thomas Burton Bottomore sobre elites e classes sociais[34] para navegar pelas teorias de Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca e evidenciar como os fascistas distorceram a noção de luta de classes, transformando em pura violência o que, em Marx, era “um confronto muitíssimo mais complexo, entendido como uma interacção de sistemas antagónicos” (JB2-335) que tinha na violência somente um de seus elementos; ao mobilizar o “ódio de classe” do proletariado e voltá-lo “aos poderosos do momento, aos plutocratas, aos ministeriáveis, aos engalanados” (JB2-336), os fascistas atacavam os ocupantes dos lugares de poder para solapar sua legitimidade e substituí-los nos mesmos lugares – fazendo da mobilidade social ascendente de certos aspirantes à elite, e não uma remodelação completa da sociedade, o objetivo último da ação política fascista, fato em si sobrecarregado de problemas tanto teóricos quanto práticos cuja elucidação merece longa citação:


Se a referência a uma classe social só adquire sentido através da referência a uma classe oposta, não se passa o mesmo com a noção de elite. A dialéctica da exploração e da opressão liga intimamente as características e a estrutura interna das várias classes, e sob este ponto de vista a luta entre as classes consiste na transformação conjunta e contraditória de todas elas. Mas a elite pode ser definida de maneira independente, enquanto estrato privilegiado. Segundo os teóricos das elites a estrutura interna de uma elite nem se relaciona com a das massas, pois estas são definidas precisamente pela sua incapacidade de organização própria, nem está em relação necessária com a estrutura interna de qualquer outra elite, porque a elite governa sozinha e se aparece uma nova é para liquidá-la e substituí-la. Esta distinção entre os conceitos de elite e de classe social reflecte directamente problemas práticos. Na sua acção anticapitalista os trabalhadores jamais deixaram de enfrentar dois tipos de inimigos, um que se apresenta a partir do exterior e o outro que é gerado no próprio movimento da classe trabalhadora. Todos os fracassos do socialismo, sem nenhuma excepção, têm resultado da incapacidade de agir conjuntamente em ambas as frentes de luta. E assim, ao mesmo tempo que os trabalhadores fazem recuar, dispersam ou aniquilam os capitalistas já existentes, eles têm repetidamente permitido que as burocracias geradas no movimento operário alimentem a classe dos gestores e inspirem novo fôlego ao capitalismo. Nesta dialéctica, as elites do socialismo, em vez de darem corpo a um conceito sociológico independente do conceito de classe, constituem um dos elementos geradores da classe capitalista dos gestores. Mas a teoria das elites é incapaz de explicar, ou sequer conceber, esta transformação dos membros de uma elite em membros de uma classe. Os autores que pretendem que o fenómeno da mobilidade social invalida ou compromete a teoria das classes e justifica uma perspectiva de elites estão a confundir classe com casta. É precisamente a mobilidade social que permite inserir o fenómeno das elites no quadro geral das classes, pois a formação de uma elite no interior da classe inferior prepara a projecção desta elite para uma classe superior […] O conceito de elite padece, portanto, de uma assimetria, porque as elites capitalistas continuam a ser capitalistas, enquanto as elites proletárias abandonam a sua classe de origem. Usar a noção de elite para apagar as classes sociais corresponde a pensar a perenidade do capitalismo para além das suas rupturas, porque a noção de mobilidade social implícita na teoria das elites não só é compatível com a manutenção das hierarquias existentes mas é mesmo um agente desta manutenção. Ao admitir que as mudanças sociais se resumem ao aparecimento de novas elites e que as revoluções mais não podem fazer do que trocar uma velha elite por uma nova, que não compromete o capitalismo e lhe dá outro impulso, a teoria das elites serve para conceber a revolta dentro da ordem. O fascismo teve um carácter revolucionário porque procurou substituir abruptamente umas elites por outras, e teve um carácter conservador porque esta substituição se limitou a um exercício de mobilidade social sem romper os limites da ordem dominante. A passagem da articulação entre os conceitos de vanguarda política e de base da classe proletária à articulação entre os conceitos de elite proletária e de massas corresponde ao que no plano prático foi a degenerescência de um processo revolucionário anticapitalista numa revolta fascista. A condição ideológica desta transformação foi o abandono do conceito económico de burguesia, definido pela propriedade dos meios de produção, e a sua conversão num conceito moral, definido pelos temas da decadência civilizacional ou da corrupção biológica. No outro extremo das hierarquias, também o proletariado deixou de ser visto como uma classe social, em função da exploração económica, e passou a ser enaltecido como uma atitude moral, uma maneira de ser e estar, que permitisse introduzir a violência no marasmo da democracia. Deste modo se explica o aspecto apresentado pela oratória e a prosa fascistas, exclusivamente preocupadas com o desejo de ascensão e, neste quadro, reduzindo o confronto social ao rancor pessoal. (JB2-339-341)


Já no capítulo 3, João Bernardo evidencia, com base em sua teoria bipartite das classes capitalistas (burgueses e gestores),[35] como a crise econômica e política entre as duas guerras mundiais só pôde ser solucionada pela ascensão dos gestores à hegemonia pela sua predominância na esfera econômica.


Nas democracias liberais, compartilharam sua estratégia de poder com aquela da burguesia para formar regimes como os do keynesianismo e do New Deal, onde à aparente continuidade das instituições burguesas correspondeu a profunda remodelação da economia por meio da ação dos gestores, encerrando a predominância das soluções ditas “livre-concorrenciais” em favor de uma economia de mercado planejada, com forte intervenção estatal.


Na experiência soviética, a convivência de trabalhadores e gestores na luta revolucionária contra a burguesia, e os fatos históricos da quase completa eliminação física da burguesia e dos setores mais experientes da classe trabalhadora na guerra civil, levaram os gestores a conduzir, com a anuência do proletariado e do campesinato, ampla remodelação da sociedade, da economia e das instituições políticas, em especial por meio dos planos quinquenais.


No fascismo, por sua vez, os gestores mobilizaram o proletariado contra a burguesia não para destruí-la, mas para substituí-la em seus lugares de poder; com isso, incorporaram elementos da economia planejada do New Deal e do keynesianismo, consolidando-se no poder contra a burguesia e ameaçando-a sempre com a sombra da mobilização do proletariado. Vem daí a recorrente retórica fascista contra os “capitalistas especulativos”, em especial banqueiros, que opunham aos “capitalistas produtivos” com quem se aliavam; no dizer de Mussolini, “não se deve afundar o barco da burguesia, mas entrar nele para expulsar a burguesia improdutiva” (JB2-350). Estabelecidos estes traços gerais, João Bernardo evidencia como – na Itália, Alemanha, Espanha, Portugal e França, além do exemplo internacional do Banco de Pagamentos Internacionais – os gestores assumiram paulatinamente o controle da economia, substituindo os burgueses em retirada.[36]


Mas como funcionaria uma economia sob hegemonia dos gestores, fato até então inédito? Que potencialidades históricas abria? João Bernardo evidencia no capítulo 5 (“O nacional-socialismo como metacapitalismo”) como não se tratava mais de um capitalismo liberal ou de um capitalismo de Estado, mas um capitalismo de gestores, que tentaram suprimir os conflitos sociais em torno da produção sob o capitalismo (aumentos salariais, melhores condições de trabalho, etc.) valendo-se de expedientes muito diversos. Vem daí o conjunto das teses mais polêmicas de um livro quase inteiramente atravessado pela polêmica: a teoria dos gestores como classe metacapitalista (resgatada por João Bernardo das reflexões de militantes como Anton Ciliga, Volodia Smirnov, Nikolai Bukharin, Lucien Laurat, Hugo Urbahns e Bruno Rizzi), do escravismo de estado soviético e do nacional-socialismo como um metacapitalismo. Em resumo, e nas palavras do autor:


[…] o predomínio dos delírios raciais sobre os interesses económicos reais, que se observou ao longo dos anos de guerra entre os fiéis de Hitler, e mais do que todos no próprio Führer, revela a hegemonia da instância ideológica na estrutura de poder nacional-socialista. E uma situação deste tipo, absolutamente oposta ao que tem sucedido em qualquer das formas correntes do capitalismo, parece indicar o surgimento de um metacapitalismo. Se esta hipótese for exacta, então existem em gérmen na sociedade moderna dois novos modos de produção. Um deles está pressuposto nas relações de solidariedade e igualdade que os trabalhadores estabelecem entre si quando lutam activa e colectivamente contra o capital. O surgimento do outro ameaça quando a contestação, em vez de pôr em causa as hierarquias sociais, se processa dentro do quadro da ordem, reforçando-a mediante a renovação das elites ou, pior ainda, através da formação de elites novas. Num caso teríamos a tendência para o socialismo, entendido enquanto negação das classes e da exploração do trabalho; no outro caso, a imposição de um metacapitalismo, assente num escravismo de Estado. A ser assim, o período entre as duas guerras mundiais teria constituído um extraordinário laboratório de antecipações históricas. (D-109-111, A-283-284, JB1-469, JB2-467).


Ora, João Bernardo já havia dado ao público, em 1991, o denso e complexo Economia dos conflitos sociais. Lá, dissecou a fragmentação e controle dos trabalhadores pela força combinada de burgueses e gestores, identificou as contradições no processo de lutas anticapitalistas e propôs, com enraizamento histórico, um modelo lógico – que não se propõe a ser um modelo histórico – dos processos de ruptura anticapitalista protagonizados por trabalhadores e as condições para que tais processos construam paulatinamente o comunismo. Com os Labirintos do fascismo, tendo em vista o “extraordinário laboratório de antecipações históricas” do entreguerras, João Bernardo parece querer entender o reverso da moeda: que tipo de sociedade futura se anuncia quando, em lugar do surgimento de um comunismo pautado pelas relações de igualdade e solidariedade entre trabalhadores em luta, o que acontece é o reforço da ordem capitalista por elites renovadas, ou por novas elites? O escravismo de Estado visto nos regimes nazista e soviético é uma entre muitas alternativas históricas.


7.

Mas que tem a ver o regime soviético com o fascismo? Não estaria João Bernardo repetindo teses conhecidas, que igualam os dois regimes? Mesmo considerando origens históricas distintas, bases sociais distintas e políticas distintas, às quais João Bernardo não deixa de estar atento, é a proliferação de convergências entre os fascismos e a esquerda (entre elas os socialistas e comunistas) que João Bernardo analisa na parte 3 (“Convergências entre a direita nacional e a esquerda social”).


Mostra-se mais evidente, nesta parte, como certos resenhistas[37] pretenderam encontrar fraquezas na argumentação desta parte por não compreenderem o método – à la Jean-Pierre Faye – de valer-se de certas coincidências vocabulares para evidenciar a circulação de práticas e ideias. As críticas destes resenhistas partem de uma ausência de filiação direta, de relação causal, e por isso de uma suposta fragilidade argumentativa e demonstrativa, quando não é isto o que o autor busca, mas sim a explicitação do surgimento do fascismo e de seus temas, de modo relativamente independente, em lugares diferentes do mundo, e em setores diferentes, mesmo antagônicos, de uma mesma sociedade. Além disso – leitura minha – no próprio texto fica evidente, em momentos distintos encontráveis aqui e ali por todo o livro, como João Bernardo pretendeu suscitar algumas questões mesmo quando não dispunha das condições para respondê-las adequadamente, deixando-as em suspenso para serem respondidas por outros – em teoria ou na prática política e social. O problema assume, deste modo, outra perspectiva: é a obra que tem fraquezas? Ou tais fraquezas exprimem, num plano teórico, as contradições abertas encontradas na própria realidade?


No capítulo 1 (“A 'nação proletária'”), João Bernardo investiga como o marxismo se situou a meio de caminho entre o racionalismo da burguesia revolucionária e o irracionalismo dos românticos contrarrevolucionários, especialmente quando seus próprios fundadores transplantaram a luta de classes para a luta de nações em suas análises da política internacional, conteúdo real da suposta relação dialética entre a luta de classes no plano interno de cada país e uma “estratégia de classe” para a análise das relações internacionais; no caso de Marx e Engels, tratou-se de fazer prevalecer os interesses da Alemanha contra os interesses da França e Rússia, além de condenar, sem mais, certos povos como sendo “sem história”. Abriram o flanco para certas “missões civilizatórias”, como certos socialistas da II Internacional consideravam o colonialismo. Enquanto isso, entre 1908 e 1910, o nacionalista italiano Enrico Corradini desenvolvia o conceito de “nação proletária”, combinando o fervor revolucionário do movimento socialista (que Corradini, sob inspiração nietszcheana, repudiava) com objetivos nacionalistas, promovendo a mobilização em prol da luta das “nações proletárias” contra as “nações plutocráticas”; aquele fervor, Corradini foi buscá-lo junto a certa corrente do sindicalismo revolucionário, majoritariamente italiana mas também francesa, inspirada e impulsionada por Georges Sorel, Hubert Lagardelle, Édouard Berth, Paolo Orano, Arturo Labriola e outros (a quem João Bernardo toma o cuidado de distinguir daquele sindicalismo revolucionário mais conhecido, o das Bourses du Travail e da Confédération Générale du Travail). A esta forma peculiar de igualar, pela direita, uma classe social (o proletariado) a uma nação, correspondeu, pela esquerda, uma forma peculiar de considerar as vanguardas revolucionárias como novas elites; a combinação das duas tendências num só corpo de teorias e práticas desembocou no fascismo, onde esta tendência veio a desembocar nos anos 1920.


Noutros paralelos estarrecedores, João Bernardo evidencia no capítulo 2 (“O nacional-bolchevismo”) como certas formas de nacionalismo atravessaram movimentos sindicalistas e comunistas, abrindo o campo para fenômenos bizarros como a política de “exploração máxima” da Ucrânia pela URSS entre 1919 e 1921; o abandono, pelos soviéticos, da República de Gilan e do Partido Comunista Persa, massacrados todos pelo regime nacionalista e ferozmente anticomunista com quem os soviéticos haviam estabelecido um bom tratado; os zigue-zagues da relação dos soviéticos com o regime de Mustafa Kemal na Turquia; a metamorfose da teoria da revolução permanente em Trotsky de uma postura intransigentemente internacionalista rumo a posições influenciadas por considerações nacionais do próprio Lenin… Estarrecedora, mesmo, é a “série escalonada de opções práticas e ideológicas” pelas quais os comunistas alemães tentaram ultrapassar a social-democracia pela esquerda e o nacional-socialismo pela direita, com Heinrich Laufenberg e Fritz Wolffheim à frente de uma estranha forma de corporativismo conselhista depois transformada em nacional-bolchevismo, com Karl Radek tentando atrair os fascistas para o campo comunista, e com o duplo movimento de ruptura com a social-democracia e aproximação com o nacional-socialismo promovido por Ruth Fischer e Arkadi Maslow quando sua facção assumiu a direção do KPD – tudo isso resultando em que, em 1933, “as transferências de filiados entre o KPD e as SA chegaram a 80% do conjunto dos membros das duas organizações” (JB2-701), com os nazistas criticando os chamados Rindersteak Nazi (“verdes por fora, vermelhos por dentro”). João Bernardo vai mostrando como, em dado momento, a Alemanha tornou-se verdadeiro laboratório de colaboração entre extrema-direita nazista e extrema-esquerda comunista, até que o Machtergreifung, em janeiro de 1933, pôs fim a toda ilusão quanto à expectativa comunista de que “depois de Hitler, nós”. Em paralelo, João Bernardo mostra como a tendência strasserista, populista e social do nazismo confrontou a tendência hitleriana, elitista e racial do nazismo, buscando ativamente alianças com os comunistas “se isto contribuísse para enfraquecer o regime de Weimar” (JB2-708). Para evidenciar a ubiquidade do surgimento dessas estranhas alianças, João Bernardo nos leva até uma Itália onde Antonio Gramsci buscou muito ativamente uma reunião com Gabriele D’Annunzio, para atrair ao campo comunista a única liderança fascista capaz de rivalizar com Mussolini; na Espanha da Guerra Civil, João Bernardo leva-nos aos cruzamentos entre socialistas, comunistas, nacionalistas catalães e anarcossindicalistas, que resultou, entre outras coisas, no abafamento das guerrilhas num país com enraizada tradição guerrilheira e no consequente enfraquecimento da revolução social que se operava por dentro da guerra civil; e na África do Sul, mostra como a mobilização sindical dos afrikaners esteve na origem das organizações e instituições políticas que resultariam na formação, décadas mais tarde, do regime do apartheid.


Quanto mais João Bernardo nos conduz pelos corredores mais profundos dos Labirintos…, mais assustadores os fatos se afiguram. Comentando, no capítulo 3, a construção histórica do epíteto que nomeia o capítulo (“O social-fascismo”), afirma:


[…] a noção de social-democracia, amalgamando correntes políticas que na época não eram homogéneas, resultou de uma rejeição pelos bolchevistas russos e pelos seus adeptos nos outros países de todas as correntes do marxismo que não fossem a sua própria. […] O socialismo entre as duas guerras mundiais conjugou de maneiras complexas e geralmente conflituosas uma ala direita francamente capitalista, que se identificava com a tecnocracia, e uma ala esquerda que, sem pretender empregar os métodos da ditadura terrorista exercida por um partido minoritário de vanguarda, não deixava de atacar o capitalismo e de conduzir na prática experiências sociais e económicas capazes de reforçar a capacidade política e a consciência de classe dos trabalhadores. Em vez de organizar partidos comunistas não monolíticos nem autocráticos e atrair assim a esquerda do socialismo, o Komintern precipitou os socialistas de esquerda para partidos tecnocráticos. O desequilíbrio criado foi funesto para o desenvolvimento das lutas sociais. Depois da unificação das duas internacionais socialistas, em 1923, os grandes partidos social-democratas incluíam alas esquerdas defensoras da unidade de acção com os trabalhadores comunistas, como aquela que se organizou no SPD em torno de Paul Levi ou na SFIO graças a Marceau Pivert. Mas a orientação predominante no Komintern levava-o a ver nessas correntes um dos instrumentos da direita social-democrata. Para que o bolchevismo monopolizasse o anticapitalismo, Lenin e os seus seguidores não hesitaram sequer perante o absurdo de denunciar o «esquerdismo» como outra forma, mais perversa ainda, de social-democracia, já que por definição toda a esquerda que não fosse bolchevista seria social-democrata. A noção de social-fascismo radicou-se nestas concepções leninistas e contribuiu para precipitar não em direcção ao fascismo mas em direcção ao capitalismo democrático vastas massas socialistas que estariam dispostas a participar numa actividade anticapitalista desde que o fizessem num quadro organizativo próprio e através de modalidades tácticas próprias. Como sucede sempre com os péssimos profetas, aqueles que anunciavam na social-democracia o social-fascismo esforçaram-se por levar a realidade a executar as suas previsões. E se na maior parte dos casos não conseguiram promover a existência de um social-fascismo, conseguiram pelo menos que, no fim, o socialismo perdesse qualquer conteúdo anticapitalista e toda a social-democracia, incluindo as correntes que se haviam situado na esquerda, se convertesse num social-capitalismo. Mas não convém que o historiador se deixe iludir pela dialéctica da denúncia. Na verdade nada disto se passou assim, e o que pode parecer a causa do processo foi a sua consequência. Na origem dos acontecimentos esteve a fraqueza de uma classe trabalhadora incapaz de impor nas lutas sociais termos próprios, que sem serem os de um capitalismo democrático não fossem também os de um capitalismo de Estado. (JB2-744-745)


Teria sido este, entretanto, o único modo de conceber um social-fascismo? Partindo, então, para uma longa exposição do pensamento e prática política de Henri de Man, João Bernardo evidencia como esta trajetória foi espelhada por outras, como as de Marcel Déat (chefe do Rassemblement National Populaire francês durante a ocupação nazista), Jacques Doriot (chefe do Parti populaire français sob o regime de Vichy que foi lutar, de uniforme nazi, no front oriental) e Gaston Bergery (chefe do Parti frontiste francês, primeiro socialista, depois colaborador nazi). Não se trata de três simples pessoas, mas líderes de partidos relativamente grandes, que transitaram da esquerda para a direita graças à evolução de seu pensamento num sentido tecnoburocrático e à crítica moralista ao regime da URSS.


Se, até aqui, João Bernardo já terá atraído a fúria de marxistas, com o capítulo 4 (“A tripla guerra civil em Espanha”) deixará anarquistas de cabelos em pé ao evidenciar como a CNT abandonou a perspectiva de organizar guerrilhas em favor do estabelecimento de formações militares clássicas; como formações guerrilheiras surgidas espontaneamente por toda a Espanha não recebiam qualquer apoio de comunistas e anarquistas, resultando na supressão de uma revolta que poderia ter beneficiado a revolução social; como uma corrente chamada “nacional-sindicalista” emergiu do anarcossindicalismo para relacionar-se cada vez mais proximamente com a Falange franquista e outras forças fascistas espanholas; e como os esforços de organizações como os Amigos de Durruti em dar seguimento à revolução social por dentro da Guerra Civil haviam sido baldados porque foram os próprios socialistas, comunistas e anarquistas a minar toda e qualquer iniciativa revolucionária espontânea muito antes disso…


8.

Na parte 4 dos Labirintos… (“Racismo”), João Bernardo dedica-se a uma análise do racismo, situando-o tanto no interior do fascismo quanto das chamadas democracias liberais.


No capítulo 1 (“A linhagem do racismo nacional-socialista”), faz uma espécie de genealogia do racismo alemão, evidenciando como o romantismo germânico (especialmente nas obras de Johann Gottfried Herder e Johann Gottlieb Fichte) converteu línguas em raças, sob a influência da luta pela unificação da própria Alemanha e do choque com o imperialismo napoleônico. Passa daí ao aparecimento do racismo na obra de Charles Darwin, e evidencia como ele passou da biologia à cultura, enquanto os racistas do nacionalismo alemão passaram da cultura à biologia; nestes dois caminhos João Bernardo estabelece o campo de geração do racismo moderno, por onde chega à eugenia, “disciplina académica criada nas sociedades democráticas que contribuiu decisivamente para a formação do quadro ideológico e prático do nacional-socialismo” (JB2-851) que animou o racismo estadunidense e aproximou-o muito do nacional-socialismo em suas antecipações.


Chegando ao nacional-socialismo propriamente dito no capítulo 2 (“Raça de senhores, sub-homens e anti-raça”), João Bernardo mostra a dinâmica da teoria racial nacional-socialista: uma raca de senhores (os “nórdicos”, estabelecidos ao fim de intrincados delírios étnico-genealógicos) deveria dominar os sub-homens (os eslavos) e erradicar a antirraça (os judeus e os ciganos). Tal dinâmica, aliás, convergia com a teoria do lebensraum (“espaço vital”) que orientava o nazismo a expandir o território alemão, pela guerra, rumo ao Leste Europeu.


Curiosa dialética, porque, no capítulo 3 (“Fascismo filo-semita, sionismo filofascista e sionismo fascista”) João Bernardo demonstra a existência de fascismos simpáticos aos judeus (Espanha, Portugal) e da filiação fascista, ou filofascista, do sionismo – certas correntes dele contando, inclusive, com o apoio nazista aos estabelecimentos sionistas na Palestina.


No último capítulo desta instigante parte (“O racismo democrático”), e contra a tese do “excepcionalismo”, João Bernardo evidencia o racismo como elemento estruturante das democracias liberais. Disseca, primeiro, a teoria do manifest destiny com que sucessivos governos dos white, anglo-saxon and protestant dos EUA expulsaram povos indígenas de suas terras, tomaram terras dos “mandriões mexicanos”, promoveram a escravização massiva de africanos, expandiram o território estadunidense rumo ao Oceano Pacífico pela guerra de conquista (Filipinas) ou por expedientes anexacionistas escusos (Havaí). Depois de evidenciar as contradições da incorporação dos negros estadunidenses às tropas enviadas para combatar nazistas na Europa, João Bernardo evidencia quão profundas eram as tendências antissemitas nas democracias liberais, e extrai de relatos históricos uma estratégia cruel por trás dos bombardeios dos Aliados na Itália e na Alemanha: bombardear a população operária destes países, preservando as infraestruturas produtivas.


9.

Por que uma parte inteira, ainda que curta, dedicada à “Estética” (parte 5) numa obra sobre o fascismo? Que tem a arte a ver com a política?


No cruzamento de eixos tão dissimilares como o da ordem e o da revolta, e pretendendo-se vincadamente ideológico, como conseguiria o fascismo apresentar um discurso coerente? Abandonar a razão e cingir-se à estética não era para o fascismo uma opção, mas uma incontornável necessidade. Se na estética a forma é o verdadeiro conteúdo, então o fascismo anulava a contraditoriedade dos conteúdos do discurso quando a convertia em jogo de formas. (JB2-1.116)


A estética, para o fascista, era o colocar em movimento a sociedade inteira, apagando-lhe as contradições no processo. Além disso, em seus rituais e símbolos, evidenciam-se aspectos que o discurso político pretendia ocultar.


Em dois capítulos relativamente curtos, João Bernardo evidencia certo culto à decadência e à morte no fascismo, e a constante necessidade dos movimentos e regimes fascistas de encenar rituais e ostentar símbolos com que ocultassem sua vacuidade política.


De enorme interesse, nesta parte, são as relações entre os fascismos e as vanguardas artísticas de seu tempo. João Bernardo dedica-se à longa demonstração da filiação burguesa das estéticas fascistas, encontrando em escolas artísticas pregressas temas, motivos e formas inspiradores da estética fascista.


10.

Se os Labirintos do fascismo não são a melhor introdução ao tema, é enquanto crítica histórica ao fascismo que mostram sua força, porque ao historiar o fascismo, João Bernardo não critica ou reconstrói o passado a seu bel-prazer de escritor; o que faz é a crítica do presente pelo espelho do passado. É este o conteúdo da sexta, última e talvez mais importante – e polêmica – parte do livro (“Metamorfoses do fascismo”).


Para o autor, “esta não é uma história do fascismo, mas a apresentação histórica de problemas que o fascismo revelou plenamente como tais e que continuam hoje por resolver” (D-x, A-18, JB1-8, JB2-8); de igual modo, “o objectivo da história não se refere fundamentalmente ao passado. É o presente que nos deve interessar, porque é só dele que a nossa prática se ocupa. O inquietante é que apenas o futuro iluminará o sentido do que fazemos hoje, e imploramos à história que disperse o nevoeiro, pois no presente em que vivemos nós somos o indubitável futuro do passado que estudamos” (D-x, A-18, JB1-8, JB2-8).


Não é por diletantismo, deste modo, que a última parte dos Labirintos..., a câmara onde urra o Minotauro, é dedicada à compreensão, à luz dos desenvolvimentos mais obscuros do fascismo, do terceiro-mundismo, do ecologismo, do garveísmo e das contradições que atravessam o movimento negro, o multiculturalismo, os espetáculos de massa como os shows de rock e heavy metal


O que anima a crítica a estes elementos do presente é, certamente, a sociedade futura que anunciam e o passado que escondem.


11.

Levanto aqui uma hipótese: racional feito o diabo, laborando como paciente artesão da crítica mordaz, implacável e impiedosa à sua própria época, talvez nem o próprio João Bernardo tenha se apercebido do todo coerente formado pela sua obra. Fá-la, brutalmente cônscio do que faz, de que a faz e de como a faz, e vai fazendo-a, talvez sem ter olhado uma só vez para trás, como se pouco lhe importasse saber o que fez.


Que seja: as sucessivas edições dos Labirintos do fascismo e as alterações terminológicas e conceituais de seu modelo econômico nos anos entre Marx Crítico de Marx e Economia dos Conflitos Sociais desmentem-me. A restruturação, a reelaboração, a reflexão, todavia, longe de resultarem das miradas nostálgicas ou diletantes tão próprias dos intelectuais erguidos sobre pedestais construídos no passado, resultam de sucessivos confrontos entre a reflexão e a prática, de ajustes nas ferramentas de trabalho, de constante reposição da própria obra como instrumento para as lutas anticapitalistas.


Modéstia? Incúria? Não, não lhe combinam. Creio tratar-se da perplexidade do artista diante de sua obra, só isso. Empenhada a própria vida no fazer da obra, em cada ato, minúsculo que seja, sabe como fazê-la, conhece as matérias-primas e os instrumentos, jamais o resultado final, com frequência espantoso. Não foi Hegel, mas Spinoza – o convidado de pedra da “modernidade” – quem afirmou a superioridade da intuição sobre a razão, querendo assim dizer que a posse plena e prévia dos dados da razão leva o agente a prescindir da reflexão racional antes de agir.


Que dizer, por exemplo, de um artigo quase abandonado como “Cereais e Estado”,[38] onde dá seguimento a uma pista lançada em Poder e Dinheiro e lança luzes sobre a relação entre o cultivo de alimentos armazenáveis e o desenvolvimento do poder de Estado, entre a armazenagem e entesouramento de bens não perecíveis, por um lado, e, por outro, o agravamento da desigualdade social e o aparecimento de formas políticas mais opressivas? Não são poucos os defensores do que nomeei “hipótese cerealista do Estado”, mas tal hipótese, por si só interessantíssima, é ignorada pelos anticapitalistas, para quem basta, quando muito, a velha e ultrapassada ortodoxia engelsiana/morganiana da “hipótese familial do Estado”, hoje relegada a um capítulo bolorento da história dos primórdios da Antropologia moderna. Não estaria João Bernardo plantando dúvidas em torno desta ortodoxia e radicando a origem histórica do Estado em elementos ainda mais concretos que a sucessão de modelos familiares?


Estando correta minha hipótese, a voragem anticapitalista de João Bernardo leva-lo-á, ainda, a desbravar sendas à primeira vista estranhas, sinuosas, sem saída. Não porque quer, mas porque, como bom artesão, não consegue parar. E ainda bem.

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NOTAS

1. Todas as numerações de páginas nas citações serão feitas mediante o seguinte esquema: D-x para a primeira versão (doutorado na UNICAMP, 1998), A-x para a segunda versão (edição Afrontamento, 2003), JB1-x para a terceira versão (edição do autor, 2015) e JB2-x para a quarta versão (edição do autor, 2018), onde “x” corresponderá ao número da página. À medida que as versões progridem, há inclusões de texto ausentes das versões anteriores, fato demarcado com a permanência do “x” no lugar do número da página. De igual modo, há supressões de texto, que resgatei entre colchetes onde necessário.
2. SHIRER, William L. A queda da França. Rio de Janeiro: Record, [s.d].
3. SHIRER, William L. Ascensão e queda do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.
4. TROTSKY, Leon. Revolução e contra-revolução. Lisboa/Porto/Luanda: Centro do Livro Brasileiro, [1968]. Trata-se de republicação de uma tradução feita em 1933 por ninguém menos que Mário Pedrosa, muito provavelmente publicada pela editora Unitas, por onde ele e Lívio Xavier publicaram várias traduções de textos de Trotsky enquanto participavam, eles próprios, da dissidência do PCB que deu origem, nos anos 1930, à Liga Comunista Internacionalista, primeira organização da Oposição de Esquerda (trotskistas) no Brasil.
5. PARIS, Robert. As origens do fascismo. São Paulo: Perspectiva, 1976.
6. CANETTI, Elias. Massa e poder. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
7. DEL ROIO, José Luiz. O que todo cidadão precisa saber sobre o fascismo. São Paulo: Global, 1987.
8. THALHEIMER, August. Sobre o fascismo. Salvador: Centro de Estudos Victor Meyer, 2010.
9. MILZA, Pierre. Os últimos dias de Mussolini. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
10. ROCKER, Rudolf. A insuficiência do materialismo histórico – Religião e política. Rio de Janeiro: Simões, 1956. Sabe-se, por ouvir dizer e por memória distante, que o próprio Rocker esteve envolvido nos preparativos para esta tradução ao português, mas o projeto ficou inconcluso com sua morte. Existe versão em espanhol, traduzida por Diego Abbad de Santillan (Nacionalismo y cultura. Buenos Aires: Americalee, 1946), já digitalizada e disponível na internet, assim como a tradução anglófona.
11. FAYE, Jean-Pierre. Introdução às linguagens totalitárias. São Paulo: Perspectiva, 2009. Este livro é uma pequeníssima parte da monumental obra Langages totalitaires: critique de la raison narrative – critique de l’économie narrative. Paris: Hermann, 1980.
12. GUÉRIN, Daniel. Fascisme et grand capital. Paris: Gallimard, 1936, com reedições em 1945 (Gallimard), 1965 (Maspero), 1999 (Syllepse) e 2001 (La Découverte).
13. BERNARDO, João. O inimigo oculto: ensaio sobre a luta de classes – manifesto anti-ecológico. Porto: Afrontamento, 1979. Disponível em <https://archive.org/details/jb-oio-esaldc-mae>. Acesso em 03 ago. 2022.
14. BERNARDO, João. Capital, sindicatos, gestores. São Paulo: Vértice, 1987.
15. BERNARDO, João. O proletariado como produtor e como produto. Revista de Economia Política [São Paulo], vol. 5, nº 3, 1985. Disponível em <https://archive.org/details/jb-opcpecp>. Acesso em 03 ago. 2022; _____. O dinheiro: da reificação das relações sociais até o fetichismo do dinheiro. Revista de Economia Política [São Paulo], vol. 3, nº 1, 1983. Disponível em <https://archive.org/details/jb-od-drdrsaofdd>. Acesso em 03 ago. 2022.
16. BERNARDO, João. Internacionalização dos capitalistas e nacionalismo dos trabalhadores, Revista de Administração de Empresas [Fundação Getúlio Vargas, São Paulo], vol. 31, nº 1, 1991. Disponível em <https://archive.org/details/jb-idcendt>. Acesso em 03 ago. 2022; _____. Desagregação do sistema soviético e transformação das formas de propriedade. Revista de Administração de Empresas [Fundação Getúlio Vargas, São Paulo], vol. 33, nº 2, 1993. Disponível em <https://archive.org/details/jb-ddssetdfdp>. Acesso em 03 ago. 2022; _____. Acidentes de trabalho, contribuição para uma análise. Revista de Administração de Empresas [Fundação Getúlio Vargas, São Paulo], vol. 27, nº 3, 1987. Disponível em <https://archive.org/details/jb-rd-adt-cpua>. Acesso em 03 ago. 2022.
17. BERNARDO, João. Poder e dinheiro – do poder pessoal ao Estado impessoal no regime senhorial, séculos V-XV: Parte I – sincronia: estrutura económica e social do século VI ao século IX. Porto: Afrontamento, 1995. Disponível em <https://archive.org/details/poder-e-dinheiro-vol-1>. Acesso em 03 ago. 2022; _____. Poder e dinheiro – do poder pessoal ao Estado impessoal no regime senhorial, séculos V-XV: Parte II – diacronia: conflitos sociais do século V ao século XIV. Porto: Afrontamento, 1997. Disponível em <https://archive.org/details/poder-e-dinheiro-vol2-pronto>. Acesso em 03 ago. 2022; _____. Poder e dinheiro – do poder pessoal ao Estado impessoal no regime senhorial, séculos V-XV: Parte III – sincronia: família, dinheiro e Estado do século XI ao século XIV. Porto: Afrontamento, 2002. Disponível em <https://archive.org/details/poder-e-dinheiro-vol3>. Acesso em 03 ago. 2022. No total, trata-se de obra com mais de duas mil páginas, a que o renomado medievalista francês Jacques Le Goff chamou de “monumental” (cf. LE GOFF, Jacques. A Idade Média e o dinheiro: ensaio de antropologia histórica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014). Na Universidade Federal Fluminense (UFF), o grupo de pesquisa Translatio Studii – Dimensões do Medievo, coordenado por Mário Jorge da Motta Bastos, tem se dedicado desde setembro de 2020 a realizar encontros para leitura e debate da obra, capítulo a capítulo, com os debates transmitidos via Youtube: https://www.youtube.com/playlist?list=PL7VPF—Mlb5wE1YwwXEFKIFpzAnituXN6; no momento em que fecho esta resenha, em agosto de 2022, eles já estão no 44º encontro, alcançando até agora as páginas 417-430 do volume II.
18. BERNARDO, João. Para uma teoria do modo de produção comunista. Porto: Afrontamento, 1975. Disponível em <https://archive.org/details/jb-putdmdpc>. Acesso em 03 ago. 2022.
19. Vali-me extensamente, nesta parte da resenha, de duas obras: CODINHA, Miguel Gonçalo Cardina. Margem de certa maneira: o maoísmo em Portugal (1964-1974). Tese (Doutorado em História Contemporânea). Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2010; LOURENÇO, Gabriela; COSTA, Jorge; PENA, Paulo. Grandes planos: oposição estudantil à ditadura 1956-1974. Lisboa: Âncora, 2001. Menciono-as explicitamente para evitar a proliferação de referências, que tornariam a leitura muito pesada. Contei, também, com certos aspectos da correspondência pessoal com o autor.
20. “TIAGO” (João Bernardo). Cartas de Tiago. Documento datilografado. Disponível em <https://archive.org/details/jb-cdt/mode/2up>. Acesso em 01 ago. 2022.
21. À ESQUERDA de Cunhal todos os gatos são pardos – 1ª parte: limitações e promessas no despontar de uma nova etapa do movimento revolucionário (de Janeiro de 1964 a Dezembro de 1965). Viva o comunismo! Jornal teórico dos Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas, nº 2-3, jul.-ago. 1970. Disponível em <https://archive.org/details/voc-jtdccrml-n23-julago1970>. Acesso em 01 ago. 2022; À ESQUERDA de Cunhal todos os gatos são pardos (continuação) -- 2ª parte: a degenerescência dogmática – origem e efeitos (de princípios de 1966 a fins de 1968). Viva o comunismo! Jornal teórico dos Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas, nº 4, maio 1971. Disponível em <https://archive.org/details/voc-jtdccrml-n04-maio1971>. Acesso em 01 ago. 2022; À ESQUERDA de Cunhal todos os gatos são pardos (continuação) -- 3ª parte: as cisões (de 1966 a 1969-70). Viva o comunismo! Jornal teórico dos Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas, nº 5, maio 1972. Disponível em <https://archive.org/details/BERNARDOJoo.EsquerdaDeCunhalTodosOsGatosSoPardos3/mode/2up>. Acesso em 01 ago. 2022; À ESQUERDA de Cunhal todos os gatos são pardos (conclusão) – 4ª parte: a situação actual – as grandes tendências e a clarificação de posições. Viva o comunismo! Jornal teórico dos Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas, nº 6, ago. 1972. Disponível em <https://archive.org/details/voc-jtdccrml-n06-ago1972>. Acesso em 01 ago. 2022.
22. BERNARDO, João. Metodologia geográfica e crítica da geografia ideológica. Revista Trimestral de Histórias e Ideias [Porto], nº1, 1978, pp. 53-89. Disponível em <https://archive.org/details/jb-mgecdgi>. Acesso em 03 ago. 2022. O artigo foi publicado com uma nota prévia datada de 26 de janeiro de 1977, mas foi produzido entre fevereiro e maio de 1971.
23. Pouco tempo depois, os CCRm-l reassumiram a orientação maoísta sob a hegemonia de Mariano Castro e Acácio Barreiros. Em fevereiro de 1975 lançaram um panfleto em que afirmavam suas novas posições (correspondentes, grosso modo, às da tendência Rocha-Fonseca-Lopes) e renegavam as posições de “Tiago” (João Bernardo) em termos caluniosos, pelos padrões do maoísmo: “trotskismo”, “métodos de direcção e organização totalmente anárquicos”, “elitismo intelectual”, “ultra-sectarismo”, “completa pactuação com os revisionistas”, “ultra-esquerdismo”, “mantinha contactos com grupos anti-comunistas internacionais já desmascarados pelos camaradas chineses como agências directas da CIA” (ou seja, o Progressive Labor Party estadunidense), “seita fechada em si própria”, “individualismo pequeno-burguês”, “ecletismo de princípios”, “desprezo pelas massas”, “ataque à tudo o que fosse revolucionário”, etc. A este respeito, cf. COMITÉS COMUNISTAS REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS LENINISTAS. A luta pelo marxismo-leninismo nos CCRML. [s.l.]: Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas, fev. 1975. Disponível em <https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/ccrml/ccrml.htm>. Acesso em 01 ago. 2022. Esta parece ter sido a última aparição pública dos CCRm-l, pois participaram da fundação da União Democrática Popular (UDP) em 16 de dezembro de 1974, junto com outras duas organizações "marxistas-leninistas" que participaram, em 9 de março de 1975, do congresso fundador da UDP: o Comité de Apoio à Reconstrução do Partido Marxista-Leninista (CARP-ML), surgido depois de 1974, e a Unidade Revolucionária Marxista-Leninista (URML), surgida em 1971.
24. A coleção completa do jornal Combate encontra-se disponível na internet: https://www.marxists.org/portugues/tematica/jornais/combate/index.htm. Além disso, foi recentemente publicada na França em edição fac-similar impressa (Todos os números do jornal COMBATE. Paris: Vosstanie, 2021), da qual algumas cópias chegaram ao Brasil pelas mãos de alguns militantes.
25. Manifesto do Combate. Combate, nº 1, 21 jun. 1974.
26. BERNARDO, João; MELO E SILVA, José Elísio; SERRALHEIRO, José Paulo; MAILER, Phil; DELGADO, Rita. Jornal Combate – Portugal, 1974-1978. Disponível em <https://jornalcombate.blogspot.com/2007/10/jornal-combate-portugal-1974-1978-em_20.html>. Acesso em 12 ago. 2022.
27. BERNARDO, João. Marx crítico de Marx: livro primeiro – epistemologia, classes sociais e tecnologia em O Capital. 3 vols. Porto: Afrontamento, 1977.
28. BERNARDO, João. A sociedade burguesa de um e outro lado do espelho. Lisboa: edição eletrônica do autor, 2013; _____. Os sentidos das palavras: terminologia económica e social em La Comédie Humaine. Lisboa: edição eletrônica do autor, 2013. O primeiro dos dois volumes desta obra foi publicado também pela editora da UEMG em 2017 e encontra-se disponível no site da editora: https://editora.uemg.br/images/livros-pdf/catalogo-2017/2017_A_sociedade_burguesa.pdf. O segundo volume encontra-se disponível na internet: http://marxismo21.org/wp-content/uploads/2012/12/Os-Sentidos-das-Palavras-Jo%C3%A3o-Bernardo.pdf.
29. BERNARDO, João. Economia dos conflitos sociais. São Paulo: Cortez, 1991. O livro teve segunda edição pela Expressão Popular, em 2009, com posfácio inédito datado de 2006, e foi distribuído gratuitamente pelo autor na internet: https://archive.org/details/jb-ecs.
30. BERNARDO, João. “Em busca do Não”. Passa Palavra, 08 jun. 2022. Disponível em <https://passapalavra.info/2022/06/143972/>. Acesso em 08 jun. 2022.
31. BERNARDO, João. Economia dos conflitos sociais. Lisboa: edição eletrônica do autor, 2015, p. 393. Disponível em <https://archive.org/details/jb-ecs>. Acesso em 05 ago. 2022.
32. BERNARDO, João. Dialéctica da prática e da ideologia. Porto: Afrontamento, 1991.
33. “Marxista e spinozista”, disse João Bernardo certa vez de si próprio (BERNARDO, João. Metodologia geográfica e crítica da geografia ideológica. Revista Trimestral de Histórias e Ideias [Porto], nº1, 1978, pp. 53-89).
34. O interessante estudo de Bottomore foi traduzido para o português há muito tempo: BOTTOMORE, T[homas]. B[urton]. As elites e a sociedade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.
35. Para a adequada compreensão da teoria das classes sociais no capitalismo na obra de João Bernardo, recomenda-se, inicialmente, recorrer à Economia dos conflitos sociais (São Paulo: Cortez, 1991, disponível em https://archive.org/details/jb-ecs), e em seguida aos livros Marx crítico de Marx (Porto: Afrontamento, 1977, disponível em https://archive.org/details/jb-mcm-l01v01, https://archive.org/details/jb-mcm-l01v02 e https://archive.org/details/jb-mcm-l01vol03) e Para uma teoria do modo de produção comunista (Porto: Afrontamento, 1975, disponível em https://archive.org/details/jb-putdmdpc), todos já citados.
36. A mesma argumentação já havia aparecido, de modo muito mais sintético, em Capital, sindicatos, gestores (São Paulo: Vértice, 1987).
37. GOLDNER, Loren. “Review: Labirintos do Fascismo, by João Bernardo”. Break Their Haugthy Power. Disponível em <http://breaktheirhaughtypower.org/review-labirintos-do-fascismo-by-joao-bernardo/>. Acesso em 16 ago. 2022; RODRIGUES, Francisco Martins. “Brumas do fascismo”. Arquivo Marxista na Internet. Disponível em <https://www.marxists.org/portugues/rodrigues/2004/02/fascismo.htm>. Acesso em 17 ago. 2022.
38. BERNARDO, João. “Cerais e Estado”. Marx e o Marxismo, vol. 5, nº. 8, jan/jun 2017. Disponível em <https://www.niepmarx.blog.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/195>. Acesso em 20 ago. 2022.
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